quarta-feira, 29 de junho de 2011

Jig






Estou aqui deitado desde que a Paula saiu. Não me mexo. Estou estático a olhar para a porta. De vez em quando, muito lentamente, as minhas pálpebras tocam-se e voltam a abrir. As minhas pernas chatearam-se comigo, já não me obedecem. A minha cabeça já não se levanta, nem sequer para beber água. A Paula, o Paulo e o João passam horas a olhar para mim. Acham que estou cada vez pior. Quando tenho dores, e, então, choro, dão-me uns cilindrozinhos brancos que me aliviam, mas fico muito mole. Diariamente tomo 2 ou 3, dependendo das dores. Já quase não tenho fome nem sede. Não consigo andar para lado nenhum. Estou tão inválido! Para me deslocar tem de ser um dos meus donos a transportar-me. De noite, não consigo dormir. Tento, mas dói-me tanto! Choro. A Paula e o Paulo ficam tristes porque não conseguem dormir também e por me verem assim. Eles já não sabem o que me hão de fazer. Hoje ouvi dizer que acham melhor acabar com o meu sofrimento, mas não conseguem. Afinal, são 18 anos! Eu não os julgo por quererem isto, afinal não querem que eu sofra mais. Eles não sabem como hão de fazer, nem se é a melhor decisão a tomar. O João pegou em mim e levou-me para o carro. Já não saio à rua à bastante tempo. Parámos em frente a um local que tem cães e gatos desenhados no vidro. Ele levou-me até lá e pousou-me numa maca metálica. Estava fria. A Paula, o Paulo e o João conversaram sobre mim com uma senhora de bata. Já não bebo água à dois dias. Já não como à outros tantos. Eles estão muito preocupados. A senhora de bata perguntou-lhes se estava na hora. Eles não conseguiram dizer que sim, mas abanaram a cabeça. A senhora de bata disse-lhes que era o melhor que faziam, porque eu já não como, já não bebo, não me conseguiram dar a medicação, já não tenho forças, nem para me queixar. Então decidiram que era a hora.

Foram 18 anos, não foram 2. Eu tenho perfeita noção que eles não o fariam se não achassem que era o melhor para mim. Agradeço-lhes por acabarem com o meu sofrimento. Ao tomarem esta decisão, só me mostram que gostam mesmo muito de mim. A senhora de bata fez-me um furinho com uma agulha, mas eu nem senti. Introduziu um líquido e eu comecei a adormecer. A minha última imagem foi triste para mim. Os meus donos estavam os 3 a chorar.







sexta-feira, 24 de junho de 2011

PHILOSOPHARE




Vou, até ali, aprender a filosofar.






sexta-feira, 17 de junho de 2011

Eclipse de valores




Um eclipse lunar, nos dias do hoje, o que pode significar?


A escuridão do ser mais vivo de toda a tristeza?
A vitória da pobreza face à riqueza?
A subsistência da fraude em contraponto à justiça?
A bondade a ser engolida pela malvadeza?




terça-feira, 14 de junho de 2011

Até quando estamos destinados a esta vida?


Esta é uma questão que tem sido muito debatida e que tem gerado alguma controvérsia. É muito importante referir que morte assistida NÃO É o mesmo que eutanásia. Deixo. aqui, dois vídeos sobre dois casos de morte assistida. Aconselho ainda a verem os dois documentários na sua íntegra, pois é uma questão que nos faz pensar se valerá ou não chegar a um ponto de dependência tal.

(Alerto ainda as pessoas mais sensíveis que estes vídeos possuem cenas consideradas chocantes)










terça-feira, 7 de junho de 2011

A nossa Ria, aos olhos do nosso Nobel


É um momento solene.
Aí para baixo é a ria de Aveiro

«É um momento solene. Aí para baixo é a ria de Aveiro, quarenta quilómetros de costa, vinte quilómetros para o interior, terra firme e água rodeando, todas as formas que podem ter as ilhas, os istmos, as penínsulas, todas as cores que podem ter o rio e o mar. O viajante fez bem as suas orações: não há vento, a luz é perfeita, as infinitas águas da ria são um imóvel lago. Este é o reino do Vouga, mas não há-de o viajante esquecer as ajudas da arraia-miúda dos rios, ribeiras e ribeirinhos que das vertentes das serras da Freita, de Arestal e do Caramulo avançam para o mar, alguns condescendendo afluir ao Vouga, outros abrindo o seu próprio caminho e encontrando sítio para desaguar na ria por conta própria. Digam-se os nomes de alguns, de norte para sul, acompanhando o leque desta mão de água: Antuã, Ínsua, Caima, Mau, Alfusqueiro, Águeda, Cértima, Levira, Boco, fora os que só têm nome para quem vive à borda deles e os conhece de nascença. Se este tempo fosse de estivais lazeres, estariam as estradas em aflição de trânsito, as praias em ânsia de banhos, e nas águas não faltariam as embarcações de folguedo mecânico ou à vela. Mas este dia, mesmo de tão formoso sol e e tão aberto céu, é de alto Inverno, nem sequer está a Primavera em seus primeiros ares. O viajante, pelo menos assim quer acreditar, é o único habitante da ria, além dos seus naturais, homens e bichos da água e da terra. Por isso (todo o bem há-de ter sua sombra) estão as salinas desertas, os moliceiros encalhados, os mercantéis ausentes. Resta a grande laguna e a sua silenciosa respiração azul. Mas aquilo que o viajante não pode ver, imagina, que também para isso viaja. A ria, hoje, tem um nome que bem lhe quadra: chama-se solidão, fala com o viajante, ininterruptamente fala, conversas de água e limosas algas, peixes que param entre duas águas, sob a reverberação da superfície. O viajante sabe que está a querer exprimir o inexprimível, que nenhumas palavras serão capazes de dizer o que uma gota de água é, quanto menos este corpo vivo que liga a terra e o mar como um enorme coração. O viajante levantou os olhos e viu uma gaivota desgarrada. Ela conhece a ria. Vê-a do alto, risca com as pendentes patas a polida face, mergulha entre o moliço e os peixes. É caçadora, navegante, exploradora. Vive ali, é ao mesmo tempo gaivota e laguna, como laguna é este barco, este homem, este céu, esta profunda comoção que aceita calar-se.»

José Saramago
Viagem a Portugal, 1981

domingo, 5 de junho de 2011



Se não nos deixam SONHAR,
não vos deixaremos DORMIR.